Transcrevo abaixo uma postagem preciosa e esclarecedora sobre a
origem da pólvora e o seu uso pelos Afro Umbandista, datada de 1994, de autoria de Adalberto
Pernambuco Nogueira, na época Presidente de União de Umbanda do Rio Grande do
Sul, sem alterar ou corrigir a linguística do mesmo, conservando-o em sua total
originalidade:
A PÓLVORA
Por Adalberto Antônio Pernambuco Nogueira (in memoriam)
Presidente da União de Umbanda (Porto Alegre/RS)
Trechos publicados em duas edições no Jornal JOCAB (meados
de 1994)
O chamado ponto-de-fogo, um
dos mais utilizados
recursos da Umbanda e
dos Cultos Africanos,
é o efetuado com a pólvora e para
finalidades as mais diversas.
Seu uso na Magia Negra é bastante difundido e os feiticeiros o utilizam em suas
investidas contra seus adversários ou suas vítimas.
A pólvora é também conhecida por fundanga ou tuia e a sua fabricação
pode ser caseira ou industrializada. A diferença entre
uma e outra
é idêntica a
dos defumadores ou banhos
de ervas colhidas
e os comprados
em firmas especializadas, isto
é, nestas falta-lhes
o preparo mágico
indispensável e a
dosagem exata de
seus componentes o que, por vezes, impede seja atingido o fim colimado.
Fundanga é uma
expressão de origem
kimbundo e seu
significado, naquele idioma,
é exatamente, pólvora.
Quanto a tuia, ainda que por sua morfologia nos afigure
palavra de origem indígena é oriunda do ioruba tuyo que significa expelir,
deslocar para fora.
A palavra representativa de
pólvora nos idiomas
indígenas, somente a fomos encontrar
no tupi e
é uma palavra arcaica e obsoleta
na Umbanda, pois jamais ouvimos sequer um caboclo solicitar mocacui para seus trabalhos,
dando preferência, invariavelmente, às expressões de origem africana.
A pólvora é
um elemento de
Magia ambivalente prestando-se,
destarte, à serviços
para o Bem
e o Mal.
É, pois, por sua potência, um dos recursos mais utilizados pelos feiticeiros
para o enfeitiçamento de pessoas ou coisas
tendo, ainda, o
inusitado dom de transmitir ou
conferir, a quem
quer que seja,
todo o poder
que sua utilização seja
feita com a
estrita obediência dos
preceitos de Magia
e independentemente do
fim a que se
destina.
Tais fatores, conjugados,
nos levam à conclusão
de que todos
os trabalhos com
pólvora exigem uma concentração e
precaução extraordinárias. Daí o porquê
só devam ser
feitas por entidades,
na sua quase totalidade Exus, ou quando considerarem
oportuno, delegarem poderes a um médium especializado para sua execução.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
O primeiro nos impulsiona constantemente para a frente e para
o alto nos dá ânimo e pertinácia em todos os nossos passos,
nos concede o
ardor, a iniciativa,
o espírito de
luta, a vontade
e a capacidade
de satisfazer nossos desejos
atingindo o objetivo
de nossas aspirações
mas, em troca, nos
oferece a inquietude,
a inconstância e o
amor às mudanças
e novidades, a
impulsividade que nos
leva a ações
inconsequentes, recolhendo frutos
não amadurecidos e
perdendo os melhores
e mais compensadores
resultados de nossos esforços.
O segundo, é aquele que nos tolhe e nos traz desenvolvimento,
fazendo-nos introspectivos, nos causa medo e a
reflexão, nos leva
a cingir-nos e
a fixar-nos tanto
no erro quanto
na verdade, nos
hábitos viciosos e virtuosos, nos torna fiéis e perseverantes,
firmes em nossa vontade e tenazes esforços, e nos capacita a atrair aquilo para
o que estamos
interiormente sintonizados pelos
nossos pensamentos, convicções
e aspirações.
Em
contraposição, nos acarreta
a desilusão e
o discernimento, nos
afasta das mudanças
e de toda
ação irreflexiva, porém, também, de todo progresso, esforço e superação.
Apresenta-nos,
agora, o terceiro
componente, o carvão,
inteiramente distinto dos
demais, pois sua propriedade primordial é a fácil
absorção dos fluidos de quaisquer naturezas. Assim sendo, todas as emoções astrais são
por ele retidas
e, por isso,
desembaraça os objetos materiais
dos fluidos de que se
encontram impregnados.
Sua ação intermediária, neste
sentido, se caracteriza
pela lentidão e
segurança, e o
fato de agir
em estado natural obrigam-nos
a conjurá-lo quando
em seu uso
em trabalhos de Magia,
a fim de
limpa-lo dos maus fluidos de que, porventura, esteja
impregnado.
Hermeticamente,
o carvão, em
seu estado natural
é o símbolo
da Constância e,
em combustão, do
Fervor, isto porque, neste estado, consegue dissolver o mais duro dos
metais.
O estudo acurado dos elementos componentes da pólvora e da
dualidade de suas funções, inerentes a tudo
o que existe no
Universo, é suficiente
ao iniciado para
saber onde, quando
e como usa-la
e, ao Mago,
para possibilitar-lhe o conhecimento
de seus efeitos
malévolos contra indivíduos
e coisas, se
utilizada no campo da Magia do Mal, assim como aquilatar o
poder e os conhecimentos de quem a empregou.
De tudo o
que dissemos, deduz-se
que a pólvora
jamais deve ser queimada
dentro de casas
ou ambientes fechados e sim,
próxima a aberturas, pois o recinto fechado não permite a evaporação das
camadas deletérias por ela deslocadas em sua explosão, o que determinará o sobre
carregamento do ambiente de novos resíduos, estes já oriundos de sua ação.
Apesar de ser
a pólvora a
força máxima pra
limpeza, seu uso
deve ser restrito
a casos da
mais absoluta necessidade e, além
dos cuidados já arrolados no presente trabalho, sob a responsabilidade do
Guia-Chefe ou de seu preposto,
com o auxílio,
é evidente, das
falanges trabalhadoras ou
evocadas. Outros sim, jamais poderemos iniciar
sua combustão senão
com fósforos pelo
mão-de fogo, ou charutos,
no caso de
entidades incorporadas. Em hipótese alguma utilizaremos a chama de velas
para tal fim e, muito menos, isqueiros.
Concluindo, queremos frisar que algumas casas, face aos
solertes ataques que são dirigidos à nossa Religião, taxada de
primitiva, mercê de seus rituais,
vêm abolindo o uso
da tuia às
vezes até em
choque com as instruções emanadas dos Guias. A estas
acometidas podemos antepor o uso dos fogos nas procissões e festas católicas,
principalmente nas de São João, Pedro e Antônio e que, em suma, nada mais
representam que uma queima, semelhante aos seus efeitos, ao nosso ponto-de-fogo.
Ademais, quando o
Astral Inferior que
envolve nosso Planeta com
suas densas camadas,
encontra-se sobrecarregado de cascões, vampiros, magos negros, corpos astrais
de animais, formas de pensamento maus, de
criação consciente ou
inconsciente, artificiais humanos
e invólucros vitalizados,
estes da mais
alta periculosidade e utilizados
nos trabalhos de
Vodu, o Alto,
em sua Eterna Sabedoria,
envia violentos temporais
cósmicos, onde os efeitos luminosos da queima da pólvora cumbem, pela
eletricidade cósmica, de limpar o ambiente. É claro que tais tormentas, tão bem
descritas por André Luiz, chegam até nós sob a forma de cataclismos materiais
que, em que pese a violência de que se revestem, nada mais são que meros
reflexos dos originais.
Então o fogo
produzido pelas descargas
elétricas age sobre
os componentes da pólvora
desanuviando o ar pesado e tenso acumulado durante o longo
período que as antecedeu.
A descarga da
pólvora que efetivamente
nada mais é
que um insignificante arremedo,
no Microcosmo, dos recursos
utilizados pelo Poder
Universal com idênticas
finalidades, é claro,
as enormes proporções
que o separam do Macrocosmo.
Ao encerrarmos, voltemos
à tecla que
jamais cansaremos de acionar:
se o irmão
não estiver devidamente preparado, se não possuir o axé de
mão-de-fogo e, principalmente,
se não
encontrar previamente autorizado por nossos Grandes Mestres ouça nosso conselho e não
se arrisque inutilmente a executar vaidosamente um trabalho de tal
monta. Se o fizer, estará em idêntica situação de um motorista que, ansioso para mostrar sua habilidade e
competência, não se
peja em pôr
em risco não apenas
sua vida, mas,
o que é
mais grave, a de todos que
o acompanham em seu veículo.
E, se alguma
vez sentir-se tentado
a faze-lo que,
nesta hora, ressoem em seus
ouvidos a Curimba de Fogo, a fim de alerta-lo sobre o erro em que incindirá:
Só queima tuia quem pode queimá
Meu ponto é seguro, não deve falhá
Só manda fogo quem pode mandá
Meu ponto é seguro, meu Pai Oxalá
Caso, no entanto, esteja capacitado a faze lo, que Oxalá o
permita, nunca sua mão se aproxime de um ponto-de-fogo com
intenções outra as que não
a de trazer
benefício aos seus
semelhantes. Que sua
conduta seja reta, sua
fé acendrada e
a confiança em
seus conhecimentos inabalável. Que
o irmão aprove,
sempre em todas as
oportunidades, que é um verdadeiro portador do axé de fogo. Saravá.
Espero mais uma vez ter contribuído para uma melhor explanação
sobre o assunto.
Abraços fraternais
Pai Josimar da Capadócia.